UMA BIXA E SUA DIVINA AMBIÇÃO

"Uma bicha acertada na cara por um chute de voadora. Uma multidão de bichas malabaristas.

Uma bicha palhaça. Uma bicha criança que faz pirraça em frente da televisão.

Uma bicha que é o cão chupando manga. Uma bicha que acabou de transar.

Uma bicha para chamar de sua. Uma bicha suja de sorvete. Uma bicha pedindo carona.

Uma bicha fumando um cigarro. Uma bicha tentando contato com outra bicha de outro planeta.
Uma bicha sem posses. Uma bicha sem pau. Uma bicha do caralho. Uma bicha com ovário.
Uma bicha atravessando a rua e sendo alvo de zombaria. Uma bicha faca na botinha.
Uma bicha poderosa mesmo. Uma bicha que fecha. Uma bicha lacrativa.

Uma bicha índio. Uma bicha que é bixa. Uma bicha que é bee. Uma bicha travesti.

(Caio Riscado. 2019).


domingo, 12 de novembro de 2017

O corpo desembestado de AdivinhaaDiva no III Anpof Deleuze

Desborde. Ação realizada no auditório da Escola de Farmácia da UFOP, no dia 07 de novembro de 2017. Agradeço à Cíntia Vieira da Silva pela oportunidade.




Desenhos gentilmente cedidos por Sílvio Ferraz.

Gustavo Denani, da Escola de Comunicação da USP/SP, esteve presente e enviou um texto crítico realizado a partir de sua vivência:


Corpo


O corpo que você apresentou me pareceu um lugar pra ser ocupado e usado pelos objetos. O sorriso existe em função dos suportes na boca, o rosto, em função das maquiagens e da moldura, o corpo, das roupas que o vestem. Fico imaginando se não são os objetos que têm agência na performance, e o que seria dela sem eles. Achei que há uma ambivalência no processo de assimilação dos objetos, uma vez que eles se assimilam ao corpo na medida em que ele é destruído por eles. Eu sempre achei que mutilação implicava em uma negatividade, uma negação de parcelas do corpo, seja numa lipoaspiração, uma dieta, uma cirurgia plástica, mas depois da sua apresentação, fiquei pensando se um gesto incremental, como usar uma maquiagem, não carrega algo de mutilação também. Talvez, no mundo que a gente vive, uma dimensão da biopolítica está em como lidar com elas: quais mutilações nos são dadas como necessárias (controle), quais que a gente pode escolher (modulação do desejo), quais são impostas e sem uma justificativa razoável (disciplina). Me parece que o corpo da apresentação é uma resultante desses três tipos, sendo que não dá pra discernir onde que uma mutilação é imposta ou desejada.


Rosto


Me chamou a atenção a grosseria no gesto de passar pó no rosto contrastando com o modo cuidadoso dos outros movimentos no correr da apresentação. Ainda mais considerando que maquiagem geralmente é uma prática delicada e cuidadosa. Mas especialmente hoje em dia, em que a produção de subjetividade é extremamente atrelada ao tipo de imagem que se produz de si mesmo, penso que tem muita coisa em jogo quando se produz um rosto. Prova disso são os intermináveis tutoriais disso no youtube, assim como a acessibilidade a esses produtos. Então, proponho uma superinterpretação: a grosseria no seu gesto é o desespero em ter um rosto fabricado, tornando-o um campo de batalha tanto na adequação de padrões estéticos quanto na negação deste. E, claro, como todo campo de batalha, no final ele fica arrasado, reduzido ao mínimo, restando no final da apresentação apenas superfície e orifício.
Achei legal como a moldura funciona como um intervalo pros gestos, especialmente no começo, quando ainda a produção/destruição do corpo ainda está em curso. Pra gente que nasceu antes da internet, essa moldura remete obviamente (pra mim, pelo menos), a imagens fotográficas. Mas fico pensando até que ponto essa analogia não é datada na contemporaneidade, uma vez que uma foto de instagram, apesar de ter uma semelhança indicial com uma fotografia revelada de um filme, é completamente outra coisa. Uma foto pré-internet tinha muito mais a ver com uma extensão da memória, enquanto que hoje ela anda junto com o presente. Eu sei que o escopo da performance passa longe dessa questão, mas achei isso pertinente.



Frutas


As frutas foram uma das coisas mais carregadas de sentido. Presas aos olhos, compõem mais um elemento que sobrecarrega o corpo já cansado de coisas que foram se acoplando nele. Uma vez presas, deixam o corpo à deriva, mas sem que este deixe de fazer aquilo que deseja (e quem deseja aquilo que ele faz? nesse ponto, a vontade já não emana mais dele, se é que em algum momento foi assim. Mais uma questão que a performance coloca: há sujeito?). As espetadas nas frutas são outra ramificação dessa riqueza de sentido: em um gesto, afastar enfaticamente a pobreza de um condição meramente representacional da performance, pra entrelaçá-la à dimensão da afecção. Em outras palavras, olhar e ser olhado produz algo no corpo, sempre. Mesmo que seja manter ele o mesmo. Comê-los no final é uma autofagia desesperada.


Placa


Como eu te disse, o único elemento que achei limitador foi a placa. Dizem que uma charge ruim é aquela que precisa se valer de uma descrição escrita pra fazer sentido, e sua apresentação transborda de sentidos. Além de que sugere um direcionamento pra possíveis interpretações. Porém, é interessante a relação que vc estabeleceu os dois escritos. Mas é claro, isso é só a minha opinião, e tem coisas legais nisso também. Qual seria a relação entre "noiva" e "bixa loka"? O corpo da performance serve tanto pra uma quanto pra outra, apesar de pertencerem a contextos distintos. Além disso, tem algo de interessante na placa, que só fez sentido depois que conversei com você. Ela foi encontrada na rua, e se não me engano, fez parte, junto com o gargarejo, da resposta ao cara que te hostilizou. Ou seja, as performances têm algo de materialmente cumulativo das experiências anteriores, e mesmo que eu não tenha achado a placa tão relevante quanto os outros elementos, talvez ela devesse estar lá.


Animal


Sobre o animal na cabeça: eu pensei muito a respeito, mas não consegui elaborar uma impressão que preste! Foi mal!!

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UM DEVIR BIXA

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