"Uma bicha acertada na cara por um chute de voadora. Uma multidão de bichas malabaristas.
Uma bicha palhaça. Uma bicha criança que faz pirraça em frente da televisão.
Uma bicha que é o cão chupando manga. Uma bicha que acabou de transar.
Uma bicha para chamar de sua. Uma bicha suja de sorvete. Uma bicha pedindo carona.
Uma bicha fumando um cigarro. Uma bicha tentando contato com outra bicha de outro planeta.
Uma bicha sem posses. Uma bicha sem pau. Uma bicha do caralho. Uma bicha com ovário.
Uma bicha atravessando a rua e sendo alvo de zombaria. Uma bicha faca na botinha.
Uma bicha poderosa mesmo. Uma bicha que fecha. Uma bicha lacrativa.Uma bicha índio. Uma bicha que é bixa. Uma bicha que é bee. Uma bicha travesti.
(Caio Riscado. 2019).
Recolho lixo nas ruas de Belo Horizonte, no bairro onde moro, Sagrada Família, nas segundas, quartas e sextas-feiras, dias em que se recolhem o lixo, fazem a coleta com um caminhão. Percorro cerca de seis ruas no entorno do apartamento onde resido, fazendo uma espécie de zig-zag entre as ruas, não fuçando necessariamente nos lixos, mas os colhendo. Parecem que eles já estão separados para mim. Já encontrei um par de saltos vermelhos, uma placa de festa de casamento, maquiagens, tecidos, vidros, anéis e uma moldura compensada de espelho médio, desses de penteadeira antiga. Outros materiais são presentes de amigos. A estola de pele sintética ganhei de Magda Costa. Da amiga dentista Patrícia Carneiro ganhei uma prótese dentária. De Flávia Fantini, estilista, ganhei um vestido rosa que ela mesma desenhou, me lembra um sofá clássico. Dela também ganhei um par de meias com um tecido amarrado que ao usar fico com as pernas amarradas como as de uma marionete e uma raposa adulta com dois filhotes empalhados. Um certo dia ela chegou na Gruta! Casa de Passagem para um ensaio do Sonoridades obscênicas com essas raposas, dizendo que não queria mais ficar com elas e que doaria, se alguém tivesse interesse. Quase que saltei para cima das raposas, e desde então elas me acompanham. Elas foram uma pista concreta de que eu estava mesmo fazendo um arranjo de um ritual bruxólico. Ou seja, eu construo, invento um corpo ciborgue que é justamente a junção de materiais, uma bricolagem de matérias vindas de distintas maneiras. Alguns descartados no lixo e por mim achados, outros presentes de amigos, outros comprados no bazar espírita que abre toda quarta-feira às 14h e é localizado na rua Amianto, no bairro Santa Tereza, como uns fios elásticos maravilhosos, uma bota de salto agulha e a mala vermelha. Tem também material que preciso comprar, mas geralmente é barato, como farinha de trigo comum, ameixas pretas, palitos de dente e fita crepe. São esses materiais que são incorporados para um ritual de emasculação e monstruosidade de AdivinhaaDiva, que se transmuta sempre com a chegada de novos achados, numa mistura intensa de acaso, encontro, suspensão e desaceleração, caminhada, perambulação e vagância. Um monstro montado a partir do limbo, das carcaças e outros recursos e dispositivos para uma montagem experimental e que de redesenha a cada novo achado.
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